sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mídia de Massas x Mídia de Missas (ou pequeno manifesto de um pequeno grupo de criação de pequenos conteúdos artísticos no séc. XXI)

* Este texto é uma colaboração de Vinicius Cabral para 2ª edição da Revista Eletrônica Diadorim Cultural.

Vinicius Cabral é publicitário, produtor independente e curador. É diretor de mais de 10 vídeos autorais e criador de uma série em processo cujo tema são as novas possibilidades semiológicas da imagem digital (www.nemsooqueandaemovel.com). Foi premiado na categoria ousadia e risco com seu curta Vídeo Terrorismo no FLÔ 2007 - Festival do Livre Olhar. É sóciodiretor da A Produtora Audiovisual, responsável pela direção de conteúdos audiovisuais.

Mídia de Massas x Mídia de Missas (ou pequeno manifesto de um pequeno grupo de criação de pequenos conteúdos artísticos no séc. XXI)

1) Como diria Groucho Marx (em frase erroneamente atribuída a Woody Allen): “Não entro para um clube que me aceite como sócio”. Seguindo este raciocínio, até entre em redes sociais que aceitem seu perfil. Só não as leve a sério;

2) As Redes Sociais não giram em torno da pura e simples “conexão” entre pessoas. Quem faz conexão é avião. Seres humanos estão em busca de aceitação. Se você gosta de cantar Celine Dion no chuveiro, muito provavelmente se sentiria melhor sabendo que existem mais pessoas que gostam de fazer isso. Geração de empatia é um conceito mais apropriado para entender esses ET`s que são as Redes Sociais (e também os ET`s que cantam Celine Dion no chuveiro);

3) Se você tem uma empresa ou é um artista em vias de se promover, não utilize a Web 2.0 com a finalidade exclusivamente institucional. Isso enche o saco das pessoas. Lembra-se da geração de empatia? Quanto mais o seu produto/obra for humanizado, incorporando interesses, anseios e predileções das pessoas por trás deles, mais você irá conquistar mini-segmentos de interesses específicos. Quem sabe esses mini-segmentos possam validar os interesses do seu produto/obra e difundi-los em outros mini-segmentos, até garantir alguma empatia distribuída entre grupos perfeitamente heterogêneos?

4) Não acredite naquela última publicação respeitadíssima que estampa na capa as “100 verdades nunca antes ditas sobre Novas Mídias que podem fazer você `bombar` na internet”. As coisas “bombam” na internet basicamente por 3 motivos:
a) Sorte;
b) Sites de Script hackers ilegais que literalmente fabricam seguidores ou views;
c) Comoção Coletiva (muito raro);
Ou seja, ou você gera empatia, ou vai ficar estagnado nas mídias sociais. A maior chance que você tem de “bombar” é conseguir atingir mini-grupos simpatizantes que possam propagar espontaneamente o seu conteúdo para outros grupos. É isso que chamam por aí de viral. Ou seja, basicamente algo que não pode ser planejado por uma empresa ou agência de publicidade e marketing digital;

5) Não acredite na balela excessivamente repetida que afirma que todo mundo hoje em dia pode criar o seu próprio conteúdo informacional ou artístico. Na verdade, todo mundo pode (as ferramentas estão aí para isso) mas a classe intelectual, o mercado e as mídias tradicionais fazem questão de eleger a produção das “pessoas comuns”, sem o suposto domínio técnico, como a opinião do público, ou do espectador. A grande virada de mesa será quando esta chamada opinião do público (ou espectador) for encarada como uma legítima produção de conteúdo, e não apenas como interação promovida por um veículo oficial. Se um determinado canal de TV está pedindo para você mandar os vídeos que você fez para um programa chamado “os vídeos que você fez”, ou algo do tipo, isso é um exemplo daquilo que estamos afirmando. O seu conteúdo continuará sendo visto como “amador”. Ou seja, suas idéias podem até ser boas, mas não possuem a devida lapidação técnica ou conceitual. Essa é a grande balela! O seu conteúdo pode ser tão ou mais interessante (e em todos os sentidos) do que o último quadro desastroso daquele programa imbecil de TV que eles inventaram no desespero pra subir audiência. (Alguém aí já conseguiu rir de alguma coisa no Zorra Total?);

6) Uma criança de 11 anos possui uma visão mais intuitiva e natural de edição de vídeo, por exemplo, do que um profissional com muitos anos de experiência em audiovisual. Não que o profissional com muitos anos de experiência em audiovisual seja um imbecil, ou que a criança de 11 anos em questão seja um gênio. Isso se explica pelo simples fato que a criança já consumiu em 11 anos de vida mais imagens do que o profissional com muitos anos de experiência sonharia em consumir quando ele tinha 11 anos. É a lógica da repetição. De tanto ver, você passa a “despejar” naturalmente uma narrativa estruturada;

7) Sobre tudo isso Walter Benjamin já dizia, nos idos da década de 30 do século passado que, diante de uma democratização dos meios de produção, as elites respondem com conservadorismo. É a era da arte com “A” maiúsculo. Hoje em dia, como já citamos, as classes intelectuais e econômicas que ditam as regras das linguagens e conteúdos que serão veiculados, consumidos e apreciados não têm mais pra onde correr. Ou aceitam aprender com crianças de 11 anos, ou serão engolidas;

8) A internet e as mídias sociais não vieram para falir as mídias tradicionais. Vieram para modificá-las. Em pleno ano de 2010 há pessoas que ouvem rádio, vêem TV, e existem até aqueles que (pasmem!) compram discos em vinil e lêem jornal! O que irá mudar, e já muda numa velocidade impressionante, é a consciência das pessoas em relação ao conteúdo das citadas mídias convencionais (esperançosamente, o conteúdo delas terá que se adaptar e abraçar uma espécie de informalidade para continuar sendo interessante). Partindo do princípio que um jovem busca identificação e aceitação na sua rede, e por isso consome conteúdos muito mais intimistas, afetivos e, porque não dizer, realistas, na internet, se ele for ao cinema assistir um filme de espetáculo hollywwoodiano cheio de malabarismo 3D, ele saberá, cada vez mais, que aquilo se trata de uma banalização irreal e infame (independente de sua formação critico-intelectual). Se isso significa uma perda de audiência até agora muito insignificante para “quebrar” o cinema como uma mídia lucrativa, por outro lado significa que o cinema não recuperará essa audiência perdida a menos que mude um pouco os conteúdos. Para os que continuam se satisfazendo com os malabarismos, o cinema está aí, e nunca deixará de estar...

9) A coexistência de todas as mídias, inclusive as adeptas do malabarismo estético, como o cinema, é um fato muito apoiado na hipersegmentação da comunicação em nossos tempos. O grupo das pessoas que cantam Celine Dion no chuveiro talvez goste de comédias românticas com galãs de Hollywood, assim como adolescentes que ouvem bandas dinamarquesas de Black Metal talvez gostem de filmes de terror japoneses da década de 60. Existem gavetas, denominações e mercados para milhões de interesses variados. A internet e, por fim, as mídias sociais, são espaços que dividem, ao mesmo tempo que aproximam, esses diversos hipersegmentos.

10) Esse texto não se trata de mais um manual para sobrevivência nos tempos de internet, mas sim de uma reflexão critica sobre mudanças sócio-culturais irreversíveis. É o embate “Mídia de Massas x Mídia de Missas”. Ou seja, os meios tradicionais de consumo e veiculação de informação, arte e cultura em choque com novas formas de veiculação de conteúdos similares, numa proporção reduzida e propagada de pequenos grupos para pequenos grupos (ou, se preferir, de pequenas religiões para pequenas religiões, numa verdadeira rede de micro-missas);

Amén,
Novembro de 2010, Brasil, Mundo

Um comentário:

Twenty-three April disse...

Muito bem pontuado Vini!
Gostei :)
Beijo, B.